A produção nacional de leite e derivados por parte da agricultura familiar aumentou de forma significativa nos últimos dez anos. O bom desempenho do setor pode ser creditado em grande parte às políticas públicas adotadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), de estímulo à atividade das cooperativas de produtores familiares que Além de produzir mais, passaram também a diversificar seus produtos possibilitando a permanência de maior contingente de produtores na atividade. Somente nos últimos cinco anos, o crescimento acumulado da produção chegou a 22,2%, passando dos 25,2 bilhões de litros de leite em 2006, para 30,8 bilhões em 2011, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desse total, mais de 60% ou cerca de 2/3 da produção nacional vêm da agricultura familiar.
Atualmente, cerca de 1,3 milhão de estabelecimentos da agricultura familiar estão voltados para a produção de leite e derivados. Dentre as políticas públicas do MDA para o setor, são destaque o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) através do crédito rural, o Programa de Garantia de Preços Mínimos da Agricultura Familiar (PGPM-AF) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
"A cadeia produtiva do leite ocupa um lugar de destaque nas ações do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), até por se tratar de um produto que garante renda regular ao agricultor familiar. Daí a necessidade de se financiar, permanentemente, a modernização dos produtores e das cooperativas", explica o diretor de Geração de Renda e Agregação de Valor da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do MDA, Arnoldo Campos. De acordo com ele, o estímulo à atividade das cooperativas da agricultura familiar está permitindo que as mesmas, além de produzirem mais, passem também a diversificar seus produtos
Destaque mundial
O Brasil é o quinto maior produtor de leite do mundo, atrás apenas dos EUA, Índia, China e Rússia. Em relação ao número de habitantes, porém, o País é apenas o 17º da lista. De acordo com estudos de especialistas internacionais, o Brasil poderá vir a fazer parte do grupo das quatro maiores regiões produtoras de leite do planeta, que inclui, ainda, Argentina, Nova Zelândia e o sul da Austrália. As dimensões do país também influenciam, fazendo do Brasil um celeiro mundial em potencial: somente sobre o solo do cerrado há um estoque de 90 milhões de hectares a serem incorporados às áreas agricultáveis, aliado ao universo de mais de 5 milhões de agricultores dispostos a produzir.
Em razão dessas riquezas naturais, a atividade leiteira se faz presente em 554 das 558 regiões consideradas pelo IBGE, o que garantem alto potencial de crescimento da produção nacional. Segundo o consultor da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF/MDA), Fábio Teles, a leitura comparativa de muitos estudiosos no assunto em taxar a cadeia láctea brasileira como de baixíssima competitividade pelos indicadores de produtividade da mão-de-obra, do rebanho e da terra destinada à atividade, é um equívoco de quem pouco conhece a potencialidade dos produtores- notadamente aqueles da agricultura familiar.
Os exemplos de sucesso desses produtores descritos por ele, adequadamente assistidos por serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) que tenham como foco a transferência de tecnologias adequadas à otimização do lucro, com organização econômica, são realidade, desde o extremo Sul do Brasil, passando pelas Regiões Centro-Oeste, Sudeste, Semiárido mineiro e Nordeste brasileiro.
Fábio Teles explica que, além desses instrumentos, existem outros do Governo Federal ? também via MDA ?, como o Programa da Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Criado em 2003, o PAA é uma das ações do Fome Zero e tem como objetivo garantir o acesso a alimentos em quantidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nutricional. Visa, igualmente, contribuir para a formação de estoques estratégicos e permitir aos agricultores familiares que armazenem seus produtos para que sejam comercializados a preços mais equilibrados, além de promover a inclusão social no campo.
"Uma variante desse programa é o Incentivo à Produção e Consumo de Leite (PAA-Leite), também executado pelos Ministérios do Desenvolvimento (MDA) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A função do PAA-Leite é contribuir com o aumento do consumo de leite pelas famílias que se encontram em situação de insegurança alimentar e, também, incentivar a produção de agricultores familiares. O PPA-Leite atua, especificamente, no território da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), beneficiando todos os estados da região Nordeste e, também, o norte de Minas Gerais", assinala Arnoldo Campos.
Investir para ampliar
O diretor do MDA destaca que uma das características do produtor de leite da agricultura familiar é a de investir, com frequência, no seu negócio, seja ampliando instalações ou seu rebanho, ou melhorando as pastagens. Por isso, ele também conta com o Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (PGPAF), que concede desconto para o pagamento de financiamentos de custeio e investimento. O valor é abatido quando o produto financiado no mercado está abaixo do preço de garantia. "E tem ainda o Seguro da Agricultura Familiar (Seaf) e o Mais Alimentos, que ajudam na qualificação tecnológica desse produtor", acrescenta Arnoldo Campos.
"O PAA e o Pnae apoiam fortemente a agricultura familiar também nesse aspecto da inclusão, colocando o leite e os derivados nos programas de aquisição de alimento para atendimento das organizações e na merenda escolar", afirma Fábio Teles. Ainda segundo ele, esses programas, aliados à ampliação da assistência técnica e a programas de comercialização, também permitiram que o Brasil atingisse, em 2006, a autossuficiência, em termos de produção, mantendo, de lá para cá, uma dependência mínima do mercado externo para suprir a demanda nacional.
Outro aspecto importante é que todo esse conjunto de políticas do governo tem, igualmente, uma relação estreita com a garantia da segurança alimentar à população. Ou seja, o desenvolvimento da produção nacional garante o abastecimento estável, ao mesmo tempo que protege a população das grandes flutuações do mercado internacional, possibilitando que o preço médio de lácteos no país esteja crescendo apenas 13,4% em um cenário de crescimento de preços, atualmente, no mercado internacional. Os estados de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Goiás continuam sendo os maiores e os que mais faturam, em termos de produção nacional.
Histórico
Na avaliação de Fábio Teles, o fato de o setor leiteiro no Brasil viver sob constante oscilação - passando de tradicional importador até início deste século para um curto ciclo de exportador e rápido retorno à condição de importador - tem suas razões históricas que merecem ser lembradas. "Até o final da primeira metade do século passado, o Brasil era essencialmente rural. Nossa revolução industrial remonta da negociação do apoio brasileiro aos países aliados no conflito da Segunda Guerra Mundial, a qual permitiu que se instalasse no país a primeira siderúrgica, a CSN. Já as primeiras Usinas de Beneficiamento de Leite foram fomentadas por iniciativa do Governo Federal nos anos 1950, nascedouro das primeiras cooperativas no país", explica. Portanto, assinala Fábio, o cooperativismo brasileiro se confunde com os empreendimentos coletivos para o beneficiamento do leite, iniciativas coordenadas àquela época pelo Ministério da Agricultura? explica o consultor Fábio Teles, que atua no setor a mais de 28 anos.
"Esse foi o primeiro fato marcante para o setor leiteiro nacional O segundo foi a inclusão do leite na cesta básica e o seu tabelamento, pelo governo, que instituiu uma política diferenciada do pagamento do leite destinado à pasteurização para consumo ? o cota-consumo ?, e o leite destinado à produção de derivados como queijos, doces, leite em pó dentre outros ? o cota-indústria ?, com diferencial entre eles entre 20 e 30%? , lembra Fábio.
Enquanto isso, no cenário externo, a crise do petróleo também afetava os principais países produtores, que reagiram e se organizaram melhor, evoluindo no sistema de governança das cooperativas, na organização econômica ? as coletas evoluíram do latão para os carros tanques ?, em pesquisa, em novos produtos e em um ambiente de aglutinação para ganhar competitividade. ?Eram programas de melhoria da qualidade do leite por meio de projetos de educação, de melhoramento genético, de nutrição e de conservação de solo, água, pasto e alimento para o rebanho, com forte organização econômica; desde a gestão das unidades produtivas no meio rural às usinas de beneficiamento e às mais variadas formas de armazenar e conservar o leite e seus derivados", detalha o consultor.
"A leitura perversa dessa modernização vem com o conceito de que só os grandes produtores eram viáveis ? nesse período, mais de 500 mil famílias foram alijadas do setor ? e com ensaios de 'estudiosos', segundo os quais, no máximo, 100 mil produtores seriam suficientes para abastecer o mercado, enquanto que os produtores de pequena escala seriam um peso para o sistema industrial", ressalta o consultor Fábio Teles. "Artigos e estudos eram veiculados na imprensa para tentar convencer a sociedade de que os produtores familiares deveriam ser abandonados à própria sorte, como aconteceu em muitas regiões pelo interior do país. Os produtores financiados pela indústria foram abandonados da noite para o dia; fábricas foram fechadas e sucateadas no início do século, com o apagão, em razão da crise no setor elétrico brasileiro por volta de 2001", relembra.
Para Fábio Teles, não fosse o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), por intermédio do Fome Zero, lançado no discurso de posse do Presidente Lula em 1º de janeiro de 2003 (link para trecho de discurso) e a formação de estoque acessados pelas cooperativas, a miséria teria aumentado dramaticamente em algumas regiões brasileiras. Na avaliação de Fábio Teles, que vivenciou ? como responsável técnico e procurador público de cooperativas de agricultura familiar ? esses episódios, "os programas constituíam, sobretudo, verdadeiros processos sociais de cidadania, não pelo fato de distribuir leite aos mais necessitados, mas, principalmente, pela promoção da educação produtiva e da inclusão socioeconômica, jurídica e tributária do setor, reparando dessa forma os equívocos do passado".
O consultor frisa que as ações do MDA se pautam no sentido de aperfeiçoar os programas e as políticas públicas, sempre em consonância com a luta dos movimentos sociais e em constante diálogo com o Estado Brasileiro, com foco na eliminação da miséria e na construção de uma nova classe média nos pequenos municípios, com reflexo positivo nos grandes aglomerados urbanos brasileiros.
Rede Brasil Rural
O consultor considera que, com o PAA e o Pnae, o que se espera é, em um primeiro momento, colocar o leite da agricultura familiar no mercado institucional e potencializá-lo para ter acesso ao mercado convencional, aos supermercados e mercearias dos bairros das classes C e D. "A Rede Brasil Rural (RBR), ferramenta virtual criada pelo MDA no ano passado vai permitir que esses alimentos que já participam ? ou que irão participar ? desse mercado institucional passem, também, a ter acesso ao mercado convencional. A RBR vai aproximar o produtor do consumidor, que terá produtos mais frescos, mais novos e mais baratos e, ao mesmo tempo, remunerar o trabalhador no campo, que será estimulado a permanecer na propriedade", explica.
O consultor destaca outro foco fundamental do MDA que é o da profissionalização da cadeia leiteira como um todo, com várias ações por meio das quais o governo consegue implementar a Política Setorial do Leite (PSL), visando preparar a agricultura familiar para superar os gargalos existentes e ampliar a produção de matéria-prima (leite) para voltar a exportar. A PSL divide-se em quatro eixos: o produtivo, o industrial, o comercial e o associativo/cooperativo e conta com ações específicas para cada região nas áreas de crédito, seguro de renda, assistência técnica e extensão rural, capacitação e ações no mercado internacional. O financiamento da atividade se dá por meio das linhas do Pronaf, que podem acessadas pelos agricultores individualmente ou via cooperativa.
"A PSL é um projeto que nasceu dentro do MDA e que resulta de uma parceria envolvendo a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Por esse projeto, já visitamos a Região Sul do País e o Triângulo Mineiro. Vamos colocar uma chamada pública nesse programa setorial já preparando esses empreendimentos da agricultura familiar para, num futuro próximo, daqui a uns dois três anos, termos condições e capacidade não só de ter matéria-prima disponível a preços competitivos no mercado, mas também de exportar", diz
Fábio Teles lembra que a fase atualmente vivida pela agricultura familiar e, em especial, o setor leiteiro, contrasta com o grande abandono registrado em décadas passadas. Segundo ele, as grandes transformações que afetaram a produção de leite e toda a cadeia de lácteos ocorreram após alguns fatos marcantes na economia do Brasil, como o aumento do consumo após o Plano Cruzado (1986); a desregulamentação do preço do leite (1991); a maior abertura para o mercado internacional, em especial, a partir da criação do Mercosul; e a estabilização de preços da economia brasileira em decorrência do Plano Real.
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