Considero como central o mecanismo de decisão – individual ou coletivo – para a compreensão das formas de adoção de inovações e tecnologias nas propriedades rurais. Técnicos e produtores compreendem este processo de forma diferente. Os primeiros utilizam uma racionalidade instrumental, fundada na economia clássica e no funcionalismo, de forma a minimizar custos e maximizar lucros. Os produtores, por seu lado, são guiados principalmente pela racionalidade substantiva, que envolve emoção, idéias, crenças e valores. Foi o que mostrou pesquisa realizada por Lazarotto no ano de 2000 com agricultores no município de Pato Branco, PR.
A economia clássica entende este fenômeno como uma forma de racionalidade “incompleta”, segundo Abramovay (2002). Ainda que as vantagens sejam claras aos olhos dos técnicos, os agricultores consideram como um dos fatores principais na tomada de decisão os riscos inerentes da mudança de práticas e procedimentos motivados pela nova tecnologia. E estes riscos podem ser não-econômicos.
A discussão que coloco aqui é: quais as formas possíveis para compatibilizar estes dois mundos, do técnico e do produtor rural?
Bibliografia:
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Hucitec, 2002. 275p.
LAZAROTTO, J. J. Estratégias e mudanças em unidades de produção rural: estudo comparativo no município de Pato Branco (PR). 2000. 177f. Dissertação (Mestrado em Administração Rural) - Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG.
Respostas
Muito bom o debate que todos fazem.
Gostaria de discutir um pouco mais a esfera do produtor, o que se passa quando a ele é apresentada uma novidade. Desde este primeiro contato até a adoção de uma tecnologia Rogers (1962) divide em cinco etapas:
1.o conhecimento ou contato com a nova informação;
2.o despertar do interesse em que a pessoa busca mais informações sobre a novidade;
3.a avaliação, quando se dá o julgamento em função da vantagem comparativa com relação à prática/objeto anterior. Nesta etapa “o indivíduo aplica mentalmente a inovação ao seu presente e antecipa uma futura situação e então decide entre experimentar ou não a inovação”, avaliando os possíveis riscos inerentes à mudança nos seus processos de rotina (ROGERS, 1962, p. 83);
4.a experimentação da inovação em pequena escala, na qual se busca testar a vantagem comparativa em relação à prática utilizada anteriormente;
5.a adoção da inovação, em que o indivíduo decide continuar a usar a novidade na totalidade de seu trabalho.
Esquematicamente seria:
Gostaria de frisar aqui que o processo de mudança na ação cotidiana do produtor compreende todas essas fases. Para nós, técnicos, é importante entender este processo. Entender não para tirar vantagem, impor ou persuadir o produtor a adotar determinada tecnologia (cf. modelo de extensão rural dos anos 1960, apresentado pelo Sérgio), mas para pensarmos em um novo processo que reconhece e respeita o saber do outro (produtor).
Para terminar, deixo as palavras de Paulo Freire (1983): "[...] se se considera a dialogicidade da educação, seu caráter gnosiológico, não é possível prescindir de um prévio conhecimento a propósito das aspirações, dos níveis de percepção, da visão do mundo que tenham os educandos - em nosso caso, os camponeses" (p. 87).
(Obs.: Everet Rogers também é referência nos estudos de mercado, objetivamente voltado para compreender o processo - mental - de compra: maximizar as vendas.)
Referência:
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 7ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, 93p.
ROGERS, E. M. The adoption process. In:_____ Diffusion of innovations. New York: The Macmillian Company, 1962, p. 76-120.
Este assunto não é novo. Desde a década de 50 os americanos estudavam o porque produtores não adotavam tecnologias que eram mais rentáveis do que as anteriores. Uma abordagem unidirecional. Com o tempo e a inclusão de novos conseitos sociais e de comunicação a visão de extensão foi ampliada conforme a figura abaixo. Visão bidirecional
Hoje o ponto de vista do produtor é mais considerado, além do tecnológico, envolvendo os diversos aspectos da vida na propriedade rural, diferente da vida em um ambiente de trabalho fora de onde se vive, veja figura abaixo. É a partir do entendimento da realidade da comunidade de produção que se pode adaptar a tecnologia para o quebra-cabeças do sistema/fazenda/propriedade do produtor. Esta atitude deve substituir para que o produtor monte um novo quebra-cabeças a partir da tecnologia que um técnico. Mesmo porque outro técnico vai levar outra tecnologia e o sistema nunca fecha.
A adoção ou não de tecnologias deve passar por uma análise crieriosa por parte dos envolvidos (Técnico e produtor),o que se percebe é que muitos produtores não entendem ainda o real conceito de tecnologia geralmente ele associa "custos sem benefícios ", e isso tem se propagado de forma continua e nos técnicos precisamos mudar essa realidade apresentando suas vantagens quando bem utilizada isso baseada em números de produção e produtividade,pois o produtor ele é bem crítico em relação a adoção de tecnologias alguns até se mostram motivados ao extremo logo se faz necessário orientá-lo e a partir daí avaliar a melhor alternativa tecnológica para seu sistema de produção que é diversificado!!!
Prezados!
Concordo com as observações do Denis. Acredito que somente com esta interação entre técnico e produtor é que se consegue mudar os cenários e ter o desenvolvimento sócio-econômico-ambiental.
Caro Willian, bem interessante a discussão que você levanta.
De fato nota-se essa divergência entre a visão do técnico (transferidor da tecnologia) e do produtor (recebedor da tecnologia). Como discussões em outros fóruns do Repileite mostraram, muitas vezes o técnico continua tentando transferir um pacote tecnólogico fechado ao produtor sem saber se é aquilo que ele necessita ou tem interesse.
Nesse sentido, nas discussão para construção da nova Política de Transferência de Tecnologia da Embrapa tem se colocado muito que o processo de transferência deve ajudar os produtores a diagnosticar seus problemas de produção, identificar as tecnologias adequadas a sua realidade e a mudança pretenida e por fim definir qual tecnologia se apropriar para solução de seu problema. Nota-se assim a necessidade de um processo participativo com envolvimento efetivo do produto na definição da tecnologia a ser adotada e não um processo unilateral de imposição de pacote tecnológico considerando conhecer o problema do produtor.
Assim, na minha percepção, a compatibilização desses dois mundos passa pela aproximação entre as duas partes, técnico e produtor, numa relação de igual para igual para definição de como se dará ese transferência considerando as necessidades e anseios do produtor.