Alguns pecuaristas veem com muito interesse a possibilidade de produzir leite orgânico em suas propriedades devido ao mais elevado preço de comercialização que esse produto diferenciado alcança no mercado.
Alguns empresários, sem tradição nem conhecimento técnico da atividade leiteira, também ficam entusiasmados com a possibilidade de ingresso nesse nicho de mercado.
No entanto a transição da "produção convencional" para a "produção orgânica" não é assim tão simples como querem fazer acreditar alguns profissionais mais empolgados com o tema.
E vc? Tem alguma experiência com a produção de leite orgãnico? Ou será que vc conhece algum pecuarista que fez esse tipo de transição, de pecuária convencional para pecuária orgânica?
Vc conhece as vantagens e desvantagensda pecuária orgânica? Ao avaliar a relação custo-benefício, vc acha válido fazer a transição?
Para maior embasamento da discussão, segue, abaixo, parte de um documento publicado pela Embrapa Gado de Leite sobre o assunto. O documento, PRODUÇÃO DE LEITE NA PECUÁRIA ORGÂNICA (autoria de: Castro, CRT; Pires, MFA; Paciullo, DSC e Xavier, DF), aborda, com visão realística, alguns aspectos envolvidos nessa atividade e subsidia a discussão sobre o tema.
PRODUÇÃO DE LEITE NA PECUÁRIA ORGÂNICA
Leite orgânico é o produto da pecuária leiteira orgânica, atividade que deve ser não apenas economicamente viável, mas, também, ecologicamente correta e socialmente justa. Nesse tipo de empreendimento rural, além de os animais serem criados de forma mais saudável, sem o uso de insumos não autorizados, é fundamental que o pecuarista esteja atento à preservação ambiental e proporcione condições dignas de trabalho aos seus empregados.
O leite orgânico possui mesmo sabor e valor nutritivo daquele obtido na pecuária convencional, no entanto, não contem resíduos químicos de qualquer espécie. Esse tipo de leite possui grande valor agregado e, conseqüentemente, custo final mais elevado.
A disponibilização de tecnologias que possibilitem reduzir o custo de produção contribuem para o aumento da oferta do produto no mercado e, consequentemente, para a redução do preço do leite orgânico para o consumidor final.
O sistema orgânico de produção não consiste, apenas, na simples substituição dos insumos químicos por outros insumos autorizados (orgânicos, biológicos e ecológicos), já que o MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO estabelece os procedimentos para que o leite de uma propriedade seja considerado orgânico, regulamentando desde a alimentação do rebanho, instalações, manejo e sanidade até o seu processamento e empacotamento.
Há, ainda, a necessidade de certificação dos produtos por empresas específicas, atestando-os como sendo orgânico. A Instrução Normativa 007/1999, de 17/05/1999, trata das normas de produção, tipificação, processamento, embalagem, distribuição, identificação e certificação da qualidade para os produtos orgânicos, definindo os critérios a serem seguidos pelas empresas certificadoras no processo de certificação.
O SELO DE CERTIFICAÇÃO de um alimento orgânico garante ao consumidor que esse é resultante de uma atividade agropecuária comprometida com a preservação ambiental e a sustentabilidade do meio ambiente, além de ser um produto isento de contaminação química.
A Embrapa Gado de Leite vem desenvolvendo estudos sobre dois temas de grande importância para a produção orgânica de leite: a alimentação e o controle sanitário do rebanho.
Em um sistema de produção de leite orgânico, como em qualquer sistema pecuário, recomenda-se a alimentação equilibrada do rebanho. Entretanto, conforme exigências das Certificadoras, pelo menos 85% dos alimentos consumidos pelos animais devem ser de origem orgânica. Para tanto é recomendável o estabelecimento de pastagens de gramíneas consorciadas com leguminosas herbáceas, a implantação de sistemas silvipastoris, nos quais leguminosas arbóreas e/ou arbustivas, preferencialmente fixadoras de nitrogênio, são associadas às pastagens, além do cultivo de bancos de proteínas, cercas vivas e outras alternativas para a produção de forragem.
Os sistemas silvipastoris são muito importantes quando se pretende produzir leite orgânico por possibilitarem alternativas para a adequada alimentação do rebanho durante o ano inteiro.
Alem desses aspectos, as árvores proporcionando sombra e conforto para o gado, também contribuindo para a conservação do solo e da água, evitando erosões.
As pastagens devem ser manejadas de forma rotacionada, com divisão de piquetes, para manter o solo com adequada cobertura e evitar o pisoteio excessivo.
As queimadas, a superlotação dos pastos, o uso de agroquímicos e de alguns tipos de adubos, como a uréia, sulfato de amônia, superfosfatos e cloreto de sódio, são proibidos pela legislação vigente que, no entanto, permite a eventual aplicação de sulfato de potássio, recomendando a calagem e a aplicação de fertilizantes orgânicos e estercos, desde que oriundos de exploração orgânica, bem como a adubação verde e a incorporação de restos culturais.
O controle sanitário do rebanho leiteiro orgânico deve se basear na homeopatia, na fitoterapia e na acupuntura, sendo obrigatórias as vacinas previstas na legislação e recomendadas aquelas que visam o controle das moléstias mais comuns na região.
O controle de carrapatos pode ser obtido pelo correto manejo do ambiente, possibilitando reduzir significativamente o nível de infestações, uma vez que 95% desses ácaros se encontram nas pastagens, possibilitando controle mais eficiente com menor número de tratamentos.
Dentre as medidas recomendadas destacam-se a rotação de pastagens, com período de descanso não inferior a 30 dias, e a concentração das medidas de tratamentos nos meses mais quentes do ano, período desfavorável ao desenvolvimento do carrapato.
A escolha de animais mestiços, com maior grau de sangue indiano, também contribui para elevar a eficiência do controle, uma vez que esses animais são mais resistentes/tolerantes a endo e ectoparasitas. Esta resistência/tolerância é maior quando os animais são mantidos em adequadas condições de saúde, com alimentação adequada e em ambiente higienizado.
O mercado dispõe de produtos homeopáticos e fitoterápicos para o controle de carrapatos, como o extrato de eucalipto e a rotenona (substância derivada da raiz do timbó). Uma vacina produzida no Brasil está em fase de finalização de testes e a expectativa é de que em breve esteja disponível para comercialização. O controle biológico dos carrapatos por fungos e nematóides também está sendo pesquisado e será uma alternativa viável em um futuro próximo.
O controle da mastite deve ser acompanhado das medidas preventivas usuais de forma a garantir a eficácia do tratamento. Há uma série de medidas curativas como homeopatia, fitoterapia e terapia do barro, que embora ainda careçam de comprovação científica constituem tratamentos alternativos aos antibióticos, proibidos pela legislação.
Ervas medicinais como a camomila, tansagem, babosa, dentre outras, são recomendadas para o tratamento da mastite, bem como a massagem do úbere utilizando pomadas de própolis, tansagem e/ou belladona.
Recomenda-se aplicar solução de iodo glicerinado + linhaça nos tetos antes e após as ordenhas. A fitoterapia e homeopatia estão se tornando as principais estratégias para o tratamento de doenças dos animais nos sistemas orgânicos de produção de leite e pesquisas estão sendo realizadas no sentido de comprovar a eficiência dessas terapias.
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Alguns pecuaristas veem com muito interesse a possibilidade de produzir leite orgânico, mas se enganam quanto a suposta facilidade de comercialização. O único produdor de Leite Orgânico (certificado) do Centro-Oeste só viabiliza sua comercialização pelo leite e seus derivados “pegar carona” na logistica dos produtos vegetais (principalmente verduras). Outro produtor do sudeste que tinha leite orgânico (certificado) vendia seu produto pelo preço de convencional (pois no interior não se tem a cultura de consumir orgânicos e seu volume de produção inviábilizava o envio para a capital). Outro problema é o do processamento do produto, que se não for feito em pequenas unidades de processamento, deve ser realizada via associação de produtores, nem sempre viável ou disponível a curto prazo.
A transição para a produção agroecológica demanda antes de tudo, uma mudança do paradigma dos produtores e principalmente dos técnicos. Não se trata de uma simples substituição de insumos, e sim, de um total redesenho da propriedade, da adoção de tecnologicas de processo, práticas ecológicas, de bem-estar animal - e isto só se faz por meio do pensamento sistemico.
Tenho acompanhado várias tentativas frustadas de produtores na sua conversão. Diria que a maioria dos processos de transição foram abortados, primeiro pela falta de conversão do próprio empreededor e seus consultores técnicos, segundo, por dificuldades em viabilizar o processamento e logística de distribuição e venda.
A gestão é a base de tudo. Uma atividade que busca eficiência (produtiva, finaceira, ambiental, energética, ecológica, etc.) precisa de muita tecnologia (de processo principalmente). Não é como muitos pensam, que produzir orgânicamente, é voltar ao passado e “criar na larga” como faziam nossos avós. Como não se pode usar as “facilidades” das “artificialidasdes” dos insumos e pesticidas, deve-se dominar bem os processos produtivos e a interação deste com o ambiente - o que demanda muito conhecimento. Graças ao vanguardismo de alguns iluminados (muitas vezes alvos de chacotas), vários estudos para a introdução de práticas ecológicas e de bem-estar animal já existem no meio cientifico (na Embrapa, nas Universidades, na iniciatica privada, etc), porém estão todos engavetados. Contudo, precisa-se ainda, pesquisar e “validar” muito mais.
Enquanto o custo ambiental não estiver inserido na valoração dos produtos agropecuários, e a sociedade como um todo, não assumir conjuntamente este onus, será dificil mostrar para a sociedade a importância da produção agroecológica. Mesmo assim, penso que o produtor pode utilizar de práticas ecológicas e de gestão para melhorar sua eficiência no uso dos recursos que lhe é disponibilizado pela natureza, e ainda tirando proveito financeiro desta atitude.
Diz a sabedoria popular: “O ótimo e inimigo do bom”. Sendo assim, Muitos produtores bem intecionados, se perdem no caminho, tropeçando nas excessivas exigências da legislação e das certificadoras. Normas muitas vezes criadas a partir de realidades muito distantes das nossas, e sem validação cientifica, apenas ideológica. Talvez fosse melhor começarmos com um “Leite Verde”, com o uso mais racional dos recursos, com menos exigências e proibições descabidas, para primeiro aprendermos a tarefa, e depois, evoluirmos para uma Produção Orgânica de fato.
Hoje a produção orgânica é excludente. Tanto na produção, quanto no consumo. O Produtor na sua maioria não tem “capacidade” para enfretar tal desafio, selecionando assim, os mais favorecidos. O consumidor pelo baixo poder aquisitivo – não tem acesso a este tipo de produto. Atualmente temos duas classes de produtores: uns que nâo podem nada e outros que podem tudo. E temos dois tipos de produtos, um que damos para os nossos filhos com a consciëncia tranquilia e um outro que “vendemos”.
Respostas
A transição para a produção agroecológica demanda antes de tudo, uma mudança do paradigma dos produtores e principalmente dos técnicos. Não se trata de uma simples substituição de insumos, e sim, de um total redesenho da propriedade, da adoção de tecnologicas de processo, práticas ecológicas, de bem-estar animal - e isto só se faz por meio do pensamento sistemico.
Tenho acompanhado várias tentativas frustadas de produtores na sua conversão. Diria que a maioria dos processos de transição foram abortados, primeiro pela falta de conversão do próprio empreededor e seus consultores técnicos, segundo, por dificuldades em viabilizar o processamento e logística de distribuição e venda.
A gestão é a base de tudo. Uma atividade que busca eficiência (produtiva, finaceira, ambiental, energética, ecológica, etc.) precisa de muita tecnologia (de processo principalmente). Não é como muitos pensam, que produzir orgânicamente, é voltar ao passado e “criar na larga” como faziam nossos avós. Como não se pode usar as “facilidades” das “artificialidasdes” dos insumos e pesticidas, deve-se dominar bem os processos produtivos e a interação deste com o ambiente - o que demanda muito conhecimento. Graças ao vanguardismo de alguns iluminados (muitas vezes alvos de chacotas), vários estudos para a introdução de práticas ecológicas e de bem-estar animal já existem no meio cientifico (na Embrapa, nas Universidades, na iniciatica privada, etc), porém estão todos engavetados. Contudo, precisa-se ainda, pesquisar e “validar” muito mais.
Enquanto o custo ambiental não estiver inserido na valoração dos produtos agropecuários, e a sociedade como um todo, não assumir conjuntamente este onus, será dificil mostrar para a sociedade a importância da produção agroecológica. Mesmo assim, penso que o produtor pode utilizar de práticas ecológicas e de gestão para melhorar sua eficiência no uso dos recursos que lhe é disponibilizado pela natureza, e ainda tirando proveito financeiro desta atitude.
Diz a sabedoria popular: “O ótimo e inimigo do bom”. Sendo assim, Muitos produtores bem intecionados, se perdem no caminho, tropeçando nas excessivas exigências da legislação e das certificadoras. Normas muitas vezes criadas a partir de realidades muito distantes das nossas, e sem validação cientifica, apenas ideológica. Talvez fosse melhor começarmos com um “Leite Verde”, com o uso mais racional dos recursos, com menos exigências e proibições descabidas, para primeiro aprendermos a tarefa, e depois, evoluirmos para uma Produção Orgânica de fato.
Hoje a produção orgânica é excludente. Tanto na produção, quanto no consumo. O Produtor na sua maioria não tem “capacidade” para enfretar tal desafio, selecionando assim, os mais favorecidos. O consumidor pelo baixo poder aquisitivo – não tem acesso a este tipo de produto. Atualmente temos duas classes de produtores: uns que nâo podem nada e outros que podem tudo. E temos dois tipos de produtos, um que damos para os nossos filhos com a consciëncia tranquilia e um outro que “vendemos”.