Nas últimas décadas a população brasileira vem aumentando nas cidades e diminuindo no campo, conforme dados do IBGE ilustrados no gráfico abaixo.
Saem do meio rural pessoas sem laços de parentesco com produtores e também familiares de produtores. O primeiro grupo implica na redução de mão de obra disponível para as propriedades. O segundo também resulta na redução de mão de obra, mas aponta para a dificuldade de sucessão nas propriedades. Gostaria de discutir estes dois movimentos que tanto têm preocupado e afetado produtores de leite do país.
No estudo feito em 2009 com produtores de dois municípios mineiros, Guiricema e Ubá, a falta de mão de obra foi o item que mais pesou na decisão de produtores de leite em reduzir ou parar de produzir leite. Nesse estudo, as propriedades mais distantes dos centros urbanos foram mais afetadas pelo baixo número de parentes trabalhando. As propriedades que não tinham familiares trabalhando eram de 2 pessoas (em 17) naquelas perto da cidade e 10 pessoas (em 24) naquelas distantes da cidade.
Ou seja, as propriedades mais distantes das cidades eram a que mais desestimulavam os parentes a permanecerem no campo. A dificuldade de escolarização dos filhos dessas propriedades (longe da cidade) era um fator que estimulava o produtor a enviá-los à cidade para estudar. Saíam e raramente retornariam; na opinião de 84% dos produtores entrevistados, seus filhos que saíram não mais voltariam.
Nas 32 propriedades investigadas, 19% não tinham sucessores. Na opinião de 84% dos produtores entrevistados, os filhos que saíram não mais retornariam para morar e trabalhar na propriedade. Por que? Um produtor responde: “É muito serviço. Não tem sábado, não tem domingo... não ganha o suficiente. Pelo menos lá [na cidade] eles têm uma chancezinha de crescer mais.”
Mais informações sobre a pesquisa citada:
BERNARDO, W. F. Pluriatividade entre produtores de leite de Guiricema e Ubá: reflexões para a ação extensionista. Disponível em: <http://www.tede.ufv.br/tedesimplificado/tde_arquivos/14/TDE-2009-11-09T085826Z-2040/Publico/texto%20completo.pdf>. Acesso em: 11 out. 2013.
Respostas
Êxodo rural começou na década de 50 e vem se arrastando até hoje.
Mas o grande culpado por isso são nossos governantes que se passaram no poder
Por exemplo nos EUA você dificilmente encontra uma estrada que não seja asfaltada, asfalto vai na porta da propiedade rural, fora praticamente mesmo conforto e renumeração de quem vive em cidades, seja o empregador ou empregado.
No Brasil me lembro de alguma ou outra região assim.
Nos EUA não de ter visto ninguém ordenhar na mão, se falar isso até vão rir da sua cara.
Aqui no Brasil existem milhões sem ordenha.
Exemplos de como produtor é respeitado em países como EUA, Canadá, Europa, NZ........e aqui não, discriminados pelo governo e sociedade.
Pra se ter uma noção meu avô teve 11 filhos e quase 40 netos, sou único apaixonado pelo meio rural, restante não vai nem pra passear.
Ana Maria Nunes Gomes,
O segmento agropecuário é ainda muito carente por tecnologias apropriadas ao pequeno produtor, especialmente aquelas que melhoram as condições de trabalho. No campo há muitos casos de adaptações feitas pelos produtores como pequenos veículos para transporte (no sul do país), bombas de irrigação com motor usado de veículos de passeio adaptados a gás (em cultivos de hortaliças na Serra da Mantiqueira de MG) dentre outras experiências interessantes.
O termo “tecnologia” agropecuária que você usa está bem alinhado com a discussão feita pela professora France Coelho, da UFV. Ela defende que “tecnologia é a ciência e a técnica transformadas em mercadoria, em valor de troca” (COELHO, 2005, p. 61). Para ela, “tecnologia” não pode ser tratada simplesmente como um procedimento, insumo ou equipamento que promove o aumento da produção e produtividade. Ela defende que é preciso problematizar a tecnologia, inseri-la na discussão do mercado de consumo, dos interesses comerciais, do poder, da política. É sempre importante pensarmos: quem está ganhando com determinada tecnologia? Quem está trabalhando para quem? A compra de uma tecnologia por um pequeno produtor o faz dependente daquele insumo e não o torna emancipado ou empoderado (em posse de um poder que está sob seu controle). Nesta perspectiva, concordo quando você afirma que “não existe tecnologia sem dinheiro”.
É interessante também retratar outra abordagem da tecnologia levantada pela professora France. A tecnologia, como mercadoria (de Marx, em O Capital), possui um poder de fetiche, de encantamento, que se propõe a realizar um desejo de um consumidor. Vi isto de forma clara quando fiz entrevistas a campo. Em um caso, um jovem filho de um pequeno produtor disse que havia desistido de trabalhar no sítio de seu pai quando este abandonou o uso da inseminação artificial e retornou ao uso de monta natural (com touro). Naquele gesto do pai, o filho desanimou de trabalhar com pecuária de leite. A inseminação artificial exercia o poder de sedução sobre o jovem: iluminava um mundo encantado e com muitas promessas de prosperidade - sempre na dimensão da modernidade (e jamais no retrocesso, como ocorreu com seu pai).
Bibliografia:
COELHO, F. M. G. A arte das orientações técnicas no campo: concepções e métodos. Viçosa: Ed. UFV, 2005, 139 p.
Concordo em gênero, número e grau!
Viver em uma cidade grande hoje é terrível. Sinto isso na pele!
Ganhar 1000,00 no interior, é como ganhar 8000,00 na cidade. E com a escolaridade do cara, vai ganhar isso onde? Se vier pra cidade, vai morar na favela e ter uma qualidade de vida péssima!
Isso deve ser conversado e divulgado no meio rural.
Sergio Rustichelli Teixeira disse:
Concordo com muitos comentários acima, especialmente do Nilson. Antes de mais nada gostaria de pedir licença para ser cético, realista e avaliar sob uma ótica ampla a questão. Na década de 70 e 80, tivemos várias crises tanto no campo como na cidade. Naquela época, a discussão do êxodo rural, ou seja, saída do campo, era uma questão que se relacionava com a pobreza nas cidades, multiicacao de pessoas sem instrução, qualificação e consequentemente gerava problemas sociais nas grandes cidades brasileiras. O tempo passou e nada foi feito para apoiar e manter o homem no campo. Naturalmente o êxodo continuou e colhemos hoje muitas mazelas da sociedade ainda por esta população e pelos seus descendentes que estão agora achando seu lugar ao sol. Vivemos o chamado pleno emprego e cada vez mais fica difícil contratar na cidade e no campo. Considero isso um sinal de evolução do nosso país que tinha e ainda tem uma mão de obra barata e muita desigualdade social. A qualidade de vida independente de ser no campo ou na cidade, o que precisamos é uma sociedade mais humana, solidária, instruída, que respeita seu semelhante. Meu pai foi um imigrante nordestino na década de 60, sem instrução que veio para Brasília. Criou 5 filhos, todos formados e tive a oportunidade de ser executivo de uma empresa multinacional. Portanto, a dificuldade deste pais independe de campo ou cidade, ela depende sim de educação. Se as escolas no campo forem de qualidade, as vilas e cidades do interior tiverem segurança, saúde, a pressão para ir para o grande centro diminui. Mas de qualquer forma, sou favorável ao livre mercado. Se as pessoas preferem a cidade, elas tem suas razões e muitas vezes tem relação com a inviabilidade de determinados sistemas produtivos, falta de escala, falta de assistência, ou mesmo a falta da sucessão, quando a idade chega. O período crítico do êxodo rural passou, em 1970 o desemprego era alto, e boa parte da violência urbana hoje deve se relacionar com aquele movimento e claro que a impunidade também. O que nos resta é tentar seguir reduzindo a desigualdade social, viabilizar a pequena propriedade eficiente, e torcer para que nosso país reduza a violência tanto na cidade quanto no campo. Hoje tive a oportunidade de adquirir uma pequena propriedade e em mais 10 anos devo me mudar para o campo. Comecei com floresta e gado de corte. Sei que sou uma excessão mas no momento que a atividade no campo fica atrativa naturalmente pode haver um movimento de redução do êxodo rural. Esse problema não é brasileiro, ele é global. Na Europa ainda seguraram com subsídios. Quando eu trabalhava na empresa multinacional, visitei a Holanda onde o governo pagava o mesmo valor da produção como um tipo de bolsa para segurar o êxodo. Hoje está acabando esta prática. Na Angola, embora saída de uma guerra civil, existe uma tentativa de atrair jovens para o campo com recursos do BID mas ainda sem sucesso. Ainda na Holanda, presenciei uma propriedade com 5000 litros por dia tocada pelo dono e a esposa. Tenha ordenha automàtica, ou seja, a vaca decidia quando queria ir para a máquina e ainda robô para limpar o estábulo. Uma realidade distante da nossa mas sem dúvida os colegas já falaram mas reforço que a automação veio para ficar na pecuária de leite desde que se consiga escala, ou seja, a eficiência sempre volta ao assunto. Familiar ou não, tem que ser eficiente.
Abraços e desculpe pelo excesso de exemplos.
Nas pequenas propriedades familiares que acompanho deparo sempre com esta situação, afirmo que o emprego de tecnologias e fundamental para consolidação do Jovem no campo, porém a resposta e dura e certeira- " não existe tecnologia sem dinheiro"
William Fernandes Bernardo disse:
Fernanda,
Sobre o modelo de mecanização adotado pelo Brasil, conforme mostram as fotos postadas, José Graziano da Silva (professor de Economia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas e atualmente diretor-geral da FAO) escreve:
“Para o setor dos pequenos produtores, o novo padrão tecnológico não pôde ser totalmente absorvido, especialmente no que diz respeito àqueles itens que dependem de uma escala mínima de produção, como, por exemplo, a mecanização” (GRAZIANO DA SILVA, 2003, p. 157). Mais adiante o autor recomenda, para aumentar a tecnificação de pequenos produtores, “incentivos à produção e à difusão de máquinas menores (menos potentes) que se adaptem às menores escalas de produção” (p. 160).
E completa: “O atual favorecimento da produção de máquinas mais potentes, parece provir de dois fatores: de um lado, as indústrias procuram fabricar os mesmos modelos de máquinas demandados nos países de origem das matrizes (multinacionais) que geralmente têm uma agricultura de escala maior; de outro, os bancos dão preferência ao financiamento de máquinas e equipamentos que implicam maior volume de recursos. Assim, devido aos fortes interesses oligopólicos e financeiros envolvidos, seria fundamental a participação do Estado numa política que visasse a incentivar o uso de máquinas e equipamentos menores, abrangendo desde a pesquisa de novos modelos adaptados às condições locais até o financiamento preferencial para esses modelos” (GRAZIANO DA SILVA, 2003, p. 160).
Em função desse modelo de mecanização adotado no Brasil (de grandes e onerosos tratores e implementos) temos o seguinte quadro: dos 5.175.636 estabelecimentos rurais do país em 2006, somente 59.447 tinham tratores, ou seja, 1,15% (IBGE, 2013). Se observarmos as regiões onde estão estas propriedades com tratores temos: 47,6% no Sul, 29,2% no Sudeste, 12,0% no Centro Oeste, 8,0% no Nordeste e 3,2% no Norte (IBGE, 2013). Temos, portanto, o reforço na desigualdade de acesso aos pequenos produtores (limite para o aumento da produção, da produtividade de seu trabalho, de renda, etc.) e na desigualdade regional dentro do país.
Referência bibliográfica:
GRAZIANO DA SILVA. J. Tecnologia e campesinato. In: ___ Tecnologia e agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003, p. 137-174.
IBGE. Banco de Dados Agregados. Disponível em: a href="http://www.sidra.ibge.gov.br/>" target="_blank">http://www.sidra.ibge.gov.br/>. Acesso em: 11 nov. 2013.
William,
Parabéns pelo tópico! Fantástico! Esse tipo de discussão tem que ser aberta inclusive nas agendas de pesquisa e desenvolvimento do país, pois essas são as demandas do campo (equipamentos adequados para pequenos produtores, custo mais baixo, etc).
Acho que todos os pontos citados por todas as pessoas dessa discussão são fundamentais e se interrelacionam. Vejamos a questão cultural: no Brasil, tem-se vergonha de ser produtor rural ou filho de produtor rural (o Sérgio confirmou isso em sua pesquisa). Assisti a uma entrevista no Globo Rural falando sobre o êxodo urbano devido a crise na Europa (em Portugal), e estudantes, jovens urbanos, estão voltando para o campo, pois o governo está estimulando essa volta com subsídeos e novas oportunidades. Entretanto, um fator comum a todos eles é o uso de tecnologia, a aplicação de conhecimentos e modernidade em seu ambiente produtivo. Não vim do meio rural e minha família é totalmente urbana, mas decidi fazer veterinária e trabalhar nsa área rural. Entretanto, fico pensando como seria se eu tivesse que ficar a maior parte do meu tempo afastada de modernidades como internet, smartphone, e outras facilidades do meu dia-a-dia.
Assim, acredito que o papel de manter o jovem no campo (que está relacionado a sucessão familiar e a questão da mão de obra) passa pelo aspecto educacional, de pesquisa (para facilitar o trabalho no campo) e também de infraestrutura (estradas, sáude, internet, etc), pois esses são fatores que o jovem tende a valorizar.
Aproveito para compartilhar esse link do Milkpoint com vocês sobre esse assunto. Vale a reflexão: http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/giro-lacteo/entenda-com...
Fernanda
Marne ,é isso que precisa ter orgulho de ser rural e divulgar o que fazemos, nasci me criei me formei trabalho com pecuária mas nunca deixei de ter minha atividade pecuária,meus fins de semana, minhas férias e feriados são todos na propriedade rural. Conheço o mundo através da vaca. Meu pai imigrante sempre viveu da agropecuária. Portanto o meio rural , é o lugar onde se dá bem quem tem responsabilidade que no final do dia de trabalho avalia o seu desmpenho de ter valido a pena e ser merecedor do que tem em suas mãos que é a terra.
Abraço
Marne Sidney de Paula Moreira disse: