O melhoramento genético do gado leiteiro, que avançou muito, principalmente com a raça Holandesa, vem fazendo com que as lactações continuem aumentando. Em comparação com a vaca “original”, que secreta leite para atender às exigências da cria, no pico da lactação ao redor de 4 a 5 litros diários, temos hoje vacas que produzem até 10 a 15 vezes mais. Esse grande aumento da capacidade de secreção de leite, entretanto, não foi acompanhado por um crescimento proporcional da capacidade de consumo de alimento, que, apenas, um pouco mais que dobrou, quando comparado com o consumo da vaca “original”.
A necessidade de nutrientes de uma vaca de 500 kg, para uma pequena produção de 5 litros de leite, é facilmente atendida com o consumo de uns 10 kg de matéria seca (MS) de pasto de qualidade razoável. Já para uma vaca de 600 kg, geneticamente melhorada para produzir 40 kg de leite, e que apresenta um capacidade máxima de consumo de uns 24 kg de MS, há a necessidade de se fornecer uma quantidade relativamente grande de alimento concentrado (“ração”), além de todo o volumoso, da melhor qualidade possível, que ela puder ingerir, de modo a atender à demanda elevada de nutrientes.
Está ficando cada vez mais difícil conciliar a crescente produção de leite com baixa qualidade de planta forrageira, porque seu consumo é muito limitado e, na medida em que se procura compensar o déficit energético com mais alimento concentrado, devido a baixa qualidade da forrageira, a dieta torna-se economicamente inviável e fisiologicamente insustentável.
O chamado “período de transição” da vaca leiteira, que vai desde as três semanas pré-parto até três semanas pós-parto, caracteriza-se pelo menor consumo de alimento e o fornecimento de forrageira de alta qualidade, principalmente no pós-parto, é decisivo para garantir a saúde e o potencial de produção do animal.
O potencial de ingestão de alimentos da vaca em lactação depende basicamente do seu tamanho (peso) e da sua produção diária de leite. Uma vaca de 550 kg, por exemplo, com uma produção de 20 litros/dia, pode ingerir diariamente ao redor de 16 a 17 kg de matéria seca (MS) de alimento (equivalente a 3 % do peso, ou seja, 550 kg x 3 % = 16,5 kg). Com essa quantidade de alimento consumida busca-se suprir toda a energia, a proteína, a fibra, os minerais e as vitaminas de que ela necessita.
A qualidade da forrageira (alimento volumoso: pasto verde, silagem, feno) é que vai determinar se esse potencial de consumo poderá, ou não, ser alcançado para permitir a produção de leite, de acordo com a genética do animal.
A qualidade da forrageira é estimada pelo seu seu teor de “fibra em detergente neutro” (FDN), um complexo fibroso da parede da célula vegetal, constituido por celulose, hemicelulose e lignina.
Componentes da parede das células vegetais, a pectina, a celulose e a hemicelulose, são aproveitadas através da fermentação realizada pelas bactérias no rúmen, produzindo os ácidos graxos voláteis, principal fonte de energia para o metabolismo da vaca. A pectina é um glicídio estrutural, faz parte da parede celular da planta, mas por ser de fácil extração química não faz parte da FDN. A pectina é considerada como fonte energética, por ser rapidamente fermentada no rúmen. A fermentação da celulose e hemicelulose é um processo lento, afetado pela presença maior ou menor de lignina.
Assim, a velocidade com a qual a fibra vegetal é fermentada, depende basicamente do seu teor de lignina, uma substância não digestível no rúmen. A lignina também é componente residual da fração analisada como “fibra em detergente ácido”, FDA, sendo o constituinte plástico da planta, que lhe confere a necessária rigidez no processo de crescimento e maturação e seu teor é relativamente elevado nas gramíneas tropicais de rápido crescimento (as denominadas plantas C4), nas forrageiras maturadas e nas palhas, de modo geral. A lignina entremeia a celulose e a hemicelulose na junção entre as paredes primária e secundária da célula vegetal e na medida em que a planta envelhece, aumenta a lignificação e a espessura da parede, em detrimento do volume do conteúdo celular.
O conteúdo da célula vegetal é composto por proteínas e carboidratos (glicídios) não fibrosos (açúcares e amidos), que são de rápida fermentação pelas bactérias do rúmen, portanto, de alto aproveitamento pelo organismo da vaca, e apresenta-se com maior teor nas plantas forrageiras de alta qualidade.
Em contraposição, os volumosos de baixa qualidade apresentam reduzido conteúdo celular e alta proporção de parede celular, com elevados teores de FDN e FDA, os quais, em função da grande lignificação, são de lenta fermentação no rúmen (FDN de baixa digestibilidade).
Portanto, o consumo voluntário de uma forrageira depende da capacidade volumétrica do rúmen e, também, de como a composição química da planta (FDN, FDA e lignina) facilita o processo de fermentação no rúmen. Ao aumento da taxa de degradação e passagem da digesta pelo rúmen corresponde um incremento no consumo voluntário, ou seja, quanto mais rapidamente a fibra vegetal for fermentada no rúmen, e as partículas residuais forem diminuídas a ponto de passarem pelo orifício retículo-omasal, resultando na diminuição do conteúdo do rúmen, tanto menor o intervalo até uma nova refeição. Em situações de dietas ricas em energia, de rápida fermentação no rúmen, a capacidade física do rúmen não é o fator predominantemente restritivo do consumo, o qual passa, então, a ser regulado de modo a atender às exigências do animal.
O grau de digestão da fibra das forrageiras é um aspecto que deveria receber maior atenção por parte do produtor leiteiro, pois a forrageira representa o aporte energético de menor custo, e a maior digestibilidade dessa fibra, além de maximizar o consumo total de MS, aumenta a produção e a eficiência alimentar.
A estimativa ou mensuração do consumo efetivo do volumoso tem grande importância prática, pois, a partir deste, se determina a quantidade de concentrado a suplementar, não apenas com o propósito de controlar o custo de alimentação, mas também para evitar problemas de acidose (excesso de concentrado, FDN abaixo de 25% na MS da dieta) ou acetonemia (déficit de concentrado, FDN acima 35% na MS da dieta), especialmente em dietas para altas produções de leite. A subestimação do consumo de volumoso, quando da busca pelo melhor balanço energético, pode resultar no fornecimento maior de concentrado, o que, pelo seu efeito substitutivo, pode agravar a depressão do consumo de volumoso.
Os efeitos da suplementação com concentrados no consumo do volumoso já são bastante conhecidos, destacando-se o efeito de substituição que ocorre, ou seja, a redução no consumo em pastejo, variando de 0,6 kg a 1 kg de MS a menos de pastagem, para cada kg de concentrado suplementado. O efeito de substituição é mais acentuado a partir do fornecimento diário de mais de 6 kg de concentrado, dependendo também da digestibilidade do volumoso, do teor de MS da pastagem e das características do animal (estágio da lactação, tamanho e condição corporal).
Em certas condições de produção, na tentativa de se compensar a baixa qualidade do alimento volumoso (FDN acima de 55% na MS), através do aumento no fornecimento de concentrados, esses, pelo efeito substitutivo negativo, diminuem ainda mais o consumo já reduzido do volumoso, levando à situação de acidose e queda do teor de gordura do leite.
As vantagens do volumoso de alta qualidade podem ser bem entendidas na comparação na tabela a seguir, na qual, para produções de leite na faixa de 20 a 25 kg/dia a dieta requer 36% de FDN.
Assim, de acordo com os dados da tabela, as produções de leite LCG (leite corrigido a 4% de gordura) por kg de MS de concentrado, foram de 3,2, 2,2 e 1,6, respectivamente, para as dietas com alfafa, silagem de milho e capim bermuda. Apesar de as três dietas apresentarem o mesmo teor de FDN (36% na MS), o consumo total de MS na dieta com capim bermuda foi 5 kg abaixo do consumo total de MS da dieta com alfafa.
Portanto, quanto menor o teor de FDN de uma forrageira, tanto maior o seu consumo e tanto menor a quantidade de concentrado para alcançar determinada produção de leite.
FONTE: www.milkpoint.com.br
Esta matéria é cópia integral do site MILKPOINT, publicada por Paulo R. F. Mühlbach*, em 03/01/2013.
*Paulo Roberto Frenzel Mühlbach, Engº Agrº, Mestre em Zootecnia pela UFRGS, Dr. sc. agr. pela Universidade Christian Albrecht de Kiel, Alemanha, Professor Associado, aposentado, Departamento de Zootecnia da Faculdade de Agronomia, UFRGS.
Comentários
Obrigado Daniel, pela parte que me toca.