LEITE UM NEGOCIO COMO QUALQUER OUTRO.

O LEITE É UM MAU NEGOCIO? 

 

 

Pode ser irrelevante, mas merece reflexão, a pergunta feita recentemente por uma pessoa desvinculada do setor leiteiro, depois de tomar ciência da falência de mais uma empresa de laticínios: por que razão as atividades relacionadas com leite são sempre problemáticas sob o ponto de vista econômico?

O questionamento foi sucedido por relatos de fatos publicados pela mídia, relacionados com problemas enfrentados por multinacional, cooperativas de produtores espalhadas pelo País e inúmeras fazendas consideradas de elite, muitas delas, produtoras de leite A, que foram desativadas ao longo dos anos sob o argumento de apresentarem prejuízos operacionais. 

Necessidade de subsídios aos produtores, preços baixos do leite ao produtor e consumidor, e políticas governamentais de crédito e estímulo ao setor foram também apontados como indispensáveis ao fortalecimento e à viabilização da atividade leiteira no Brasil, pois sem auxílio, a cadeia entraria em colapso.

É fato também discutido com frequência que o setor está relacionado com pobreza, porque o meio rural das antigas bacias que abasteciam as metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro está em decadência, uma vez que, nelas, o leite é a principal atividade econômica.

A associação do leite com a realidade de algumas regiões não leva em consideração o fato de que geralmente as glebas não são grandes, a topografia é desfavorável para agricultura, as terras de baixa fertilidade se mostram exauridas por práticas extrativistas, e os rebanhos não são adequados para a produção de leite. Assim, a imagem pouco favorável foi mostrada em novela que retratava também a fabricação informal de queijo como atividade imprescindível para a sobrevivência, e a proposta de agregar valor ao produto pela “industrialização” é sempre apresentada como alternativa para melhorar a renda. Ao longo dos anos propostas de mini-usinas, fabriquetas de queijos, doces, e mesmo venda direta ao consumidor, têm sido discutidas e tentadas para solucionar problemas econômicos, considerados crônicos e inevitáveis.

A fama de espécie de patinho feio do agronegócio brasileiro, que acompanha a produção de leite, não é nova e persiste ao longo do tempo apesar do crescimento contínuo. Parece haver, na realidade, pouco interesse dos agentes envolvidos com a atividade, no sentido de tentar reverter o conceito, porque existe a ideia de que a declaração de sucesso pode promover reduções nos preços praticados para o produto.

Assim, a tentativa de esclarecer a razão da falência de uma empresa de laticínios por gerenciamento deficiente, fraudulento, ou falta total de profissionalismo, não satisfaz os incrédulos, mesmo com o argumento de que em outras cadeias produtivas o problema também aparece.

O mais complicado é convencer o interlocutor de que podem existir propriedades de produção de leite lucrativas, se estas adotarem conceitos corretos de tecnificação e gerenciamento de recursos financeiros, porque o fechamento de fazendas consideradas de elite, que dizem utilizar tecnologia de ponta, acontece com frequência, e a justificativa é invariavelmente a falta de condições adequadas para a atividade.

Distorções sérias sobre o conceito de tecnologia levam à proposta de se atribuir níveis tecnológicos altos para propriedades que adotam técnicas consideradas evoluídas e modernas, investem em instalações e equipamentos, mas não conseguem racionalizar a administração dos recursos produtivos. Assim sendo, quando os resultados da atividade são decepcionantes, se comenta que nem com tecnologia é possível obter rentabilidade, e o setor fica então em desvantagem nítida em relação a outros do agronegócio.
Parece existir a ideia de que fazendas consideradas de nível tecnológico alto são sempre bem administradas, mas na realidade ocorrem com grande frequência gastos elevados em atividades não produtivas, que elevam os custos sem aumentar a renda. Deficiências de gerenciamento, ou mesmo a ausência total de controle, independem da estrutura física ou do modelo de produção adotado pelas fazendas de produção de leite ou de outras atividades do agronegócio.

A observação atenta da planilha de custo, das práticas de manejo e dos investimentos pode revelar distorções sérias em muitas unidades produtivas. Por exemplo, gastar 98% da renda para pagar despesas de custeio não faz sentido para nenhuma atividade do agronegócio, ter gastos com mão de obra representando 30% ou mais do custo operacional revela irracionalidade e investir o equivalente a 50% da renda, mas não alterar a produção ou a produtividade, leva invariavelmente a problemas de fluxo de caixa.
Gastos com atividades que não trazem retorno em renda devem ser sempre analisados com cuidado, pois distorcem esforços feitos para melhoria na eficiência do processo produtivo. A aplicação de tecnologia deve ser complementada com a administração racional dos recursos financeiros. Só assim, a pecuária leiteira pode mostrar resultados e perder a fama de patinho feio.

 

 

O patinho feio

Vidal Pedroso de Faria

 

Pode ser irrelevante, mas merece reflexão, a pergunta feita recentemente por uma pessoa desvinculada do setor leiteiro, depois de tomar ciência da falência de mais uma empresa de laticínios: por que razão as atividades relacionadas com leite são sempre problemáticas sob o ponto de vista econômico?

O questionamento foi sucedido por relatos de fatos publicados pela mídia, relacionados com problemas enfrentados por multinacional, cooperativas de produtores espalhadas pelo País e inúmeras fazendas consideradas de elite, muitas delas, produtoras de leite A, que foram desativadas ao longo dos anos sob o argumento de apresentarem prejuízos operacionais. 

Necessidade de subsídios aos produtores, preços baixos do leite ao produtor e consumidor, e políticas governamentais de crédito e estímulo ao setor foram também apontados como indispensáveis ao fortalecimento e à viabilização da atividade leiteira no Brasil, pois sem auxílio, a cadeia entraria em colapso.

É fato também discutido com frequência que o setor está relacionado com pobreza, porque o meio rural das antigas bacias que abasteciam as metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro está em decadência, uma vez que, nelas, o leite é a principal atividade econômica.

A associação do leite com a realidade de algumas regiões não leva em consideração o fato de que geralmente as glebas não são grandes, a topografia é desfavorável para agricultura, as terras de baixa fertilidade se mostram exauridas por práticas extrativistas, e os rebanhos não são adequados para a produção de leite. Assim, a imagem pouco favorável foi mostrada em novela que retratava também a fabricação informal de queijo como atividade imprescindível para a sobrevivência, e a proposta de agregar valor ao produto pela “industrialização” é sempre apresentada como alternativa para melhorar a renda. Ao longo dos anos propostas de mini-usinas, fabriquetas de queijos, doces, e mesmo venda direta ao consumidor, têm sido discutidas e tentadas para solucionar problemas econômicos, considerados crônicos e inevitáveis.

A fama de espécie de patinho feio do agronegócio brasileiro, que acompanha a produção de leite, não é nova e persiste ao longo do tempo apesar do crescimento contínuo. Parece haver, na realidade, pouco interesse dos agentes envolvidos com a atividade, no sentido de tentar reverter o conceito, porque existe a ideia de que a declaração de sucesso pode promover reduções nos preços praticados para o produto.

Assim, a tentativa de esclarecer a razão da falência de uma empresa de laticínios por gerenciamento deficiente, fraudulento, ou falta total de profissionalismo, não satisfaz os incrédulos, mesmo com o argumento de que em outras cadeias produtivas o problema também aparece.

O mais complicado é convencer o interlocutor de que podem existir propriedades de produção de leite lucrativas, se estas adotarem conceitos corretos de tecnificação e gerenciamento de recursos financeiros, porque o fechamento de fazendas consideradas de elite, que dizem utilizar tecnologia de ponta, acontece com frequência, e a justificativa é invariavelmente a falta de condições adequadas para a atividade.

Distorções sérias sobre o conceito de tecnologia levam à proposta de se atribuir níveis tecnológicos altos para propriedades que adotam técnicas consideradas evoluídas e modernas, investem em instalações e equipamentos, mas não conseguem racionalizar a administração dos recursos produtivos. Assim sendo, quando os resultados da atividade são decepcionantes, se comenta que nem com tecnologia é possível obter rentabilidade, e o setor fica então em desvantagem nítida em relação a outros do agronegócio.
Parece existir a ideia de que fazendas consideradas de nível tecnológico alto são sempre bem administradas, mas na realidade ocorrem com grande frequência gastos elevados em atividades não produtivas, que elevam os custos sem aumentar a renda. Deficiências de gerenciamento, ou mesmo a ausência total de controle, independem da estrutura física ou do modelo de produção adotado pelas fazendas de produção de leite ou de outras atividades do agronegócio.

A observação atenta da planilha de custo, das práticas de manejo e dos investimentos pode revelar distorções sérias em muitas unidades produtivas. Por exemplo, gastar 98% da renda para pagar despesas de custeio não faz sentido para nenhuma atividade do agronegócio, ter gastos com mão de obra representando 30% ou mais do custo operacional revela irracionalidade e investir o equivalente a 50% da renda, mas não alterar a produção ou a produtividade, leva invariavelmente a problemas de fluxo de caixa.
Gastos com atividades que não trazem retorno em renda devem ser sempre analisados com cuidado, pois distorcem esforços feitos para melhoria na eficiência do processo produtivo. A aplicação de tecnologia deve ser complementada com a administração racional dos recursos financeiros. Só assim, a pecuária leiteira pode mostrar resultados e perder a fama de patinho feio.

Vidal Pedroso de Faria é professor da Esalq-Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e membro do conselho editorial de Balde Branco.

 
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