Investimento em pessoas: como atrair e reter mão de obra na pecuária leiteira.
É muito comum nos tempos atuais, ouvir pessoas envolvidas com a pecuária leiteira comentarem sobre a grande carência de pessoas encontrada nas diversas regiões produtoras nacionais. Muitos falam da dificuldade de encontrar pessoas dispostas a morar nas fazendas, outros comentam sobre o baixo nível médio dos trabalhadores disponíveis e alguns reforçam a dificuldade de encontrar pessoas dispostas a trabalhar no meio rural, especialmente com a atividade leiteira.
Um fato relevante, que agrava um pouco mais a situação, é que um país em franco crescimento econômico tende a diminuir a disponibilidade de desempregados. Tal situação, embora muito interessante para o cenário social nacional, conflita com a realidade encontrada antigamente nas fazendas. É simples concluir que, havendo menos pessoas disponíveis no mercado, certamente será mais árdua a tarefa de selecionar bons profissionais a serem contratados. É comum ouvir produtores dizendo que por não haver opções, tem que contratar “os que estão por aí mesmo”.
Outra situação que merece atenção é a constante diminuição da proporção de moradores da zona rural, comparados aos das cidades. De acordo com o gráfico abaixo, em 1950, no mundo todo, havia aproximadamente 2 pessoas morando na zona rural para cada 1 pessoa habitando nas cidades. Em 2007, essa relação foi invertida, passando a haver mais pessoas na cidade do que no campo. Segundo a FAO, a tendência é que em 2050 haja 70% das pessoas no mundo morando nas cidades, enquanto apenas 30% habitarão a zona rural.
De acordo com o senso do IBGE 2010, em alguns estados das regiões sul e sudeste a taxa de urbanização já está próxima de 95%. Ou seja, somente 5% das pessoas desses estados ainda moram nas fazendas.
Assim, fica evidente a realidade de que está cada vez mais difícil encontrar pessoas para trabalhar nas fazendas. A notícia ruim é que, com base nos dados citados acima, a tendência é que esse quadro piore com o tempo.
Frente à situação acima mencionada, fica a dúvida: O que fazer para conseguir atrair e reter pessoas nas fazendas leiteiras?
Como investir para obter mais e melhores pessoas interessadas em trabalhar nas propriedades rurais? Muitas vezes, os proprietários acreditam que a resposta depende de grandes investimentos financeiros, mas, felizmente, muitas das ações que respondem às questões acima não dependem de grandes investimentos financeiros, mas sim de simples mudanças de conduta.
Abaixo serão citadas algumas ações práticas (também chamaremos de investimentos) que podem auxiliar os produtores neste sentido:
1- A mudança na forma de enxergar o trabalho – De acordo com o cientista alemão Albert Einstein “a definição de insanidade consiste em fazer as mesmas coisas, do mesmo jeito e esperar que os resultados sejam diferentes”.
É necessário que os envolvidos na atividade leiteira entendam que existe um problema que precisa ser solucionado!
Somos remanescentes de uma geração brasileira que ainda fantasia a estória do “Jeca Tatu”, que pensa ser inferior, que nas fazendas os processos são ineficientes, que produtor rural é aquele que não teve oportunidade. Não raro, ouvimos produtores dizendo que querem para os filhos um futuro diferente da realidade por ele vivenciada.
Entidades como a CNA, SEBRAE, empresas privadas e outras organizações vem dando grandes exemplos de ações visando reconstruir a imagem do produtor rural. O resultado do último carnaval quando a escola de samba vencedora teve como personagem principal o Produtor Rural, é um bom exemplo de como essas ações podem contribuir para a evolução da concepção popular do “homem do campo”.
No entanto, é comum encontrar produtores de leite depreciando a atividade nas rodas de conversa, se auto intitulando incompetentes, reafirmando o quão baixo é o nível das pessoas envolvidas com a produção leiteira. Será essa a melhor alternativa para alterar uma realidade?
Você, produtor de leite, caso estivesse procurando trabalho, estaria disposto a trabalhar em uma empresa como a sua?
A seguir serão listadas algumas perguntas cujas respostas ajudarão na questão acima:
a- Como são as casas dos funcionários da sua propriedade? Com que frequência você as tem visitado?
b- As pessoas que trabalham para você tem noção daquilo que você prepara para o futuro delas? Você prepara algo para elas?
c- Os filhos dos seus funcionários vão à escola? Onde ela é? Há escola na sua fazenda?
d- É na cidade também que as crianças aprendem computação e internet? Onde os filhos dos funcionários começam a namorar?
e- Aqueles encontros religiosos que antigamente aconteciam na fazenda, ainda persistem?
f- As esposas e filhos dos funcionários tem oportunidade de trabalhar?
g- O que eles fazem após o término do trabalho?
h- Existe plano de saúde, incentivo a esportes, confraternizações?
Embora os questionamentos acima possam parecer desconexos num primeiro momento, é valido refletir profundamente sobre as causas que tem levado a tanta dificuldade em atrair pessoas para as fazendas.
Você, como produtor, tem contribuído para a retenção de pessoas no meio rural?
É mais cômodo pensar e reclamar que faltam políticas públicas, que os governos não auxiliam na retenção dos funcionários rurais. Neste momento, prefiro me ater a questionar o quanto os produtores e técnicos, diretamente envolvidos na produção, têm feito para alterar o cenário existente.
O fato é que as coisas mudam e estão mudando. Caso não haja uma adaptação dos produtores de leite a essa nova realidade dos trabalhadores, às suas demandas e necessidades, às suas famílias, provavelmente por algum tempo, a situação continuará piorando.
É interessante ressaltar que muitas das ações citadas necessitam de pouco investimento e trazem grande retorno. Abaixo, uma foto da confraternização de final de ano seguida de cerimônia religiosa realizada em uma fazenda. Ações simples, baratas e efetivas podem ser determinantes para a inversão do conceito dos trabalhadores.
Dessa forma, para que mais pessoas sejam atraídas para o meio rural é fundamental que os produtores, principais agentes da cadeia, tornem-se ativos no processo de tornar as realidades de suas empresas atrativas a bons profissionais. Além disso, é necessário que invistam na “evolução” cultural das pessoas com relação ao orgulho em “vestir a camisa” do agronegócio.
2- Investir na capacidade de liderança – Mexer com gente no Agronegócio é fácil?
Provavelmente, sua resposta foi não. No entanto, de norte a sul do Brasil, em diversos segmentos de atuação e não somente no agronegócio, é comum ouvir pessoas reafirmando a dificuldade encontrada em trabalhar com pessoas. De acordo com um estudo realizado pela Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, com 2000 executivos de empresas urbanas brasileiras, 55% dos problemas enfrentados na gestão de suas empresas estão, de alguma forma, ligados à liderança.
É comum ouvir questionamentos de gerentes ou proprietários sobre como fazer com que seus colaboradores se comprometam com o negócio, como mantê-los motivados, como formar equipes que sejam criativas, comprometidas e ainda fáceis de relacionar. Infelizmente, a resposta para tais perguntas não é simples e nem tão rápida.
Fato é que, em alguns casos, a atitude dos colaboradores reflete a forma de atuação do seu superior. Ou seja, as características dos gerentes ou proprietários são as grandes responsáveis pelos comportamentos da equipe. No entanto, não é fácil reconhecer e aceitar que a mudança deve começar neles, que são os principais responsáveis pelo sucesso ou insucesso das organizações.
É comum ouvir que o bom gerente dever saber de tudo o que acontece na propriedade. Que deve distribuir os serviços todos os dias pela manhã, acompanhar todo o processo de produção, compras e vendas, enfim, que tudo o que acontecesse nas propriedades deve passar pelas mãos do Gerente.
Bom, se é verdade que o olho do dono engorda o boi, também é verdade que existe um grande preço a ser pago por isso. Quantos olhos tem este
dono? Qual a probabilidade dele conseguir acompanhar todos os processos produtivos da fazenda? Como crescer seu negócio restringindo-o à sua capacidade de gerência presencial? Como formar sucessores para dar continuidade nos seus trabalhos? Como conciliar qualidade de vida e trabalho?
Ao limitar a gestão do seu negócio à sua capacidade de estar presente em todos os processos e setores da propriedade, os gestores estão abrindo mão simultaneamente de várias das respostas a estas perguntas.
Confirmando o raciocínio acima, em uma pesquisa recente, realizada pela Fundação Dom Cabral, foram entrevistados 242 executivos de 161 empresas. Perguntados sobre o que é mais relevante para liderança das empresas, 43% responderam ser “conhecer as pessoas” enquanto 30% responderam ser “conhecer do negócio”.
Entretanto, um grande desafio é criado quando surge, para os gestores, a necessidade de se questionar, avaliar as suas atitudes, repensar a forma como há muito vem gerindo suas propriedades. É muito mais fácil pensar que o problema está nos outros.
3- A capacitação de pessoas no Agronegócio - Quanto do orçamento anual de sua propriedade é gasto com a capacitação das pessoas?
É interessante analisar o conflito existente entre a constante reclamação de produtores e técnicos quanto ao baixo nível de seus funcionários e ao mesmo tempo a inexistência de programas de treinamentos para os mesmos.
Na mesma pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral, 242 executivos forma perguntados sobre os principais benefícios gerados pela capacitação de funcionários em suas empresas:
Dados de uma recente pesquisa FDC – 242 gestores – 161 empresas
De acordo com os dados acima, para quase todos os entrevistados, a produtividade é aumentada, assim como a rentabilidade e o aumento de receita a partir dos treinamentos. Nesse raciocínio, se não fossem cogitados outros benefícios, somente pelo retorno financeiro, os treinamentos já seriam muito atrativos.
No entanto, quando analisamos a planilha de custos e investimentos de grande parte das fazendas leiteiras, o item “Treinamentos” frequentemente termina o ano em branco.
Mas, como fazer treinamentos se não há uma sala de reuniões apropriadas, data show, palestrantes, ar condicionado, etc.? Na verdade, existem formas criativas e simples de investir na capacitação das pessoas. A foto abaixo retrata o treinamento de um técnico que visita mensalmente as propriedades assistidas:
Muitas vezes os melhores treinamentos acontecerão na beira do cocho, dentro da sala de ordenha, em cima do caminhão de adubo. O principal benefício não está no conforto, mas, sobretudo, na satisfação pessoal das pessoas que passam a tornar-se “entendidos” daquelas que são suas responsabilidades.
De acordo com um renomado filósofo brasileiro chamado Mário Sérgio Cortella, “se fosse um funcionário de uma empresa, só me sentiria leal a ela se percebesse que ela é leal a mim, em relação à minha carreira”.
Outro fato que merece destaque é que produtores e técnicos, muitas vezes analisam o indicador R$/litro de leite gastos com mão de obra como o principal indicador de mão de obra. O que temos visto na prática é que, se restringindo a analisar quantos reais são gastos por mão de obra para produzir um litro de leite, muitas vezes somos levados a focar na redução do gasto com salários e na quantidade de pessoas envolvidas na atividade. No entanto, em um recente levantamento realizado em fazendas assistidas pelo Rehagro, pudemos comprovar que não existe relação entre a redução desse item de custo e a diminuição do custo total. Ou seja, quando focamos em somente reduzir custos de mão de obra, outros indicadores técnicos, se não acompanhados de perto, podem sofrer grandes impactos negativos, gerando perda de competitividade.
Por outro lado, as fazendas que investem em capacitação de pessoas, tendem a aumentar a eficiência do uso de recursos. O grande problema é que esse impacto não é visualizado na conta mão de obra e por isso torna-se difícil ser mensurado na maioria dos casos.
Dessa forma, fica claro que é necessário, inicialmente, aceitar que existe um problema estrutural quanto à atração de pessoas para o meio rural. A partir de então, é preciso investir na quebra do paradigma mentiroso de que não é digno de orgulhar-se quem vive da atividade rural. Por fim, investir em competências de liderança e capacitação das pessoas envolvidas pode ser uma estratégia acertada para a retenção daqueles que se “atreveram” a continuar no meio rural. As ações tem que ser de formiguinha.
É muito fácil reclamar das políticas públicas, da “preguiça” da nova geração de trabalhadores, das dificuldades encontradas na atividade leiteira, mas são efetivas essas ações? Alguns já iniciaram esse processo de focar na inversão de valores e estão conseguindo sucesso. Qual a sua opção?
Comentários
Ótimo material, mas com relação a mão - de - obra em salas de ordenha, vejo como uma atividade que já deveria ter sido extinta, pois se hoje está complicado ter mão -de- obra a manha com certeza sera pior, isso ocorre por dois motivo, o leite todos sabem que e uma atividade de péssima remuneração, pois não tem apoio nem de industria nem da sociedade e nem politica, hoje um funcionário na propriedade gira de despesa para uma fazenda em torno de 3000 reais, e para rodar 600 litros dias de leite, e necessário no minimo 2 funcionários vendo assim que o produtor já nem vai ter lucro. Hoje a leis não permitem que o produtor cobrem responsabilidade dos funcionários pois perante as leis e os sindicatos todos produtores são ilegais, dando sempre ração dos funcionários. O que venho que o Pais já deveria ter feito e viabilizar as salas de ordenhas robóticas, isso sim trasseria ótimos benefícios aos produtores, sendo melhor qualidade do leite, ordenha realizada corretamente, diminuiria o auto custo de mão de obra, e traria resultado na atividade.